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Por que está tão difícil encontrar medicamentos comuns nas farmácias?

Você esteve recentemente na farmácia e não encontrou o remédio que precisava — drogas simples, como dipirona e antibióticos? Pois é, medicamentos fundamentais para a saúde do brasileiro estão em falta em unidades das redes pública e privada do país, e o problema pode demorar a ser resolvido.

O sumiço de antibióticos, analgésicos, xaropes e antialérgicos das prateleiras é um problema mundial, gerado na pandemia e agravado pela guerra na Ucrânia, e afetou demais o Brasil —o que, segundo especialistas ouvidos por VivaBem, acende um alerta sobre a falta de autonomia do país diante da situação.

A pesquisa “Desabastecimento de Medicamentos” da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), feita em agosto deste ano com dados de mais da metade (57%) das cidades do país, aponta que 65% desses municípios sofrem com falta de medicamentos. No estado de São Paulo, levantamentos do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia de São Paulo), também de agosto, mostram um desabastecimento amplo e crônico: 98% dos farmacêuticos entrevistados afirmaram enfrentar a falta de remédios.

. Cadê os antibióticos? Essa é a classe de medicamentos que mais sumiu das drogarias: 96% dos farmacêuticos disseram que pacientes não encontraram o remédio que precisavam.

Importante destacar que antibióticos são fundamentais para tratar doenças comuns —como amigdalite (dor de garganta) e sinusite—, além de serem usados na prevenção e combate de infecções que podem evoluir para quadros graves de saúde e, potencialmente, fatais —pneumonia e meningite, por exemplo.

.SUS também sofre com o desabastecimento: levantamento do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), de 4 de outubro, traz 530 notificações de falta de medicamentos na rede pública de 57 cidades do estado de São Paulo. Antibióticos como amoxicilina, azitromicina e dipirona (para dor e febre) estão no topo da lista.

Luciana Canetto Fernandes, vice-presidente do CRF-SP, diz que o levantamento surpreendeu pela quantidade de medicamentos comuns em falta, que até então nunca tinham sofrido problemas, e pela escassez de itens que compõem a fabricação de remédios, como frascos e ingredientes.

E como fica a vida de quem precisa de remédio?

Quem vai ao balcão da farmácia tem contado com as orientações do farmacêutico para driblar a falta de medicamentos. A recomendação mais frequente, feita por 64,1% dos entrevistados na pesquisa do CRF-SP, é substituir o remédio receitado pelo genérico ou similar. Se forem terapias sem prescrição médica, o próprio farmacêutico avalia o caso e faz sugestões de tratamento ao cliente.

A assistente administrativa Eliane Borges, 40, não encontrou por mais de uma vez neste ano o antibiótico que a filha Bella, 3, precisava.

Após uma das consultas, a solução para não ter de retornar ao consultório médico foi já sair de lá com uma receita com quatro opções de substitutos para o antibiótico amoxicilina. Mesmo assim, precisou fazer telefonemas e mandar mensagens via WhatsApp para diversas farmácias da cidade. Foram mais de 48 horas para conseguir encontrar o medicamento, em uma região oposta ao bairro onde mora, na região oeste de São Paulo.

Para não ficar sem tratamento, a criança chegou a tomar a primeira dose por via endovenosa no pronto-socorro.

Só consegui depois de dois dias. É horrível passar por isso, principalmente quando um filho tem dor e febre. Eliane Borges, mãe de Bella.

O que explica o sumiço dos medicamentos?

Dependência de importação de matéria-prima. No Brasil, cerca de 95% dos insumos farmacêuticos vêm de outros países.

Apenas alguns antibióticos, medicamentos para depressão e ansiedade e algumas terapias contra câncer são produzidas no país, segundo Marco Antonio Stephano, professor do Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (Universidade de São Paulo).

.Impacto da pandemia. A maioria dos insumos é produzida na China e na Índia. Contudo, a política chinesa de covid zero gerou episódios de lockdown, entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022. Isso afetou a produção de insumos e medicamentos, prejudicando toda a cadeia global.

“Muitas cidades que foram fechadas eram portuárias. Os navios ficaram retidos e muitas fábricas tiveram que parar a produção. Quando uma fábrica dessas fecha temporariamente, ela leva de seis a oito meses para retomar o ritmo normal de produção”, esclarece Stephano.

.Falta de inovação e desindustrialização. O Brasil enfrenta um processo geral de desindustrialização, diminuição da capacidade produtiva e redução da competência tecnológica, na avaliação de Reinaldo Guimarães, vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

Embora o setor farmacêutico venha crescendo desde a Lei dos Genéricos (2000), ele também sofre com esse processo, principalmente no que se refere a medicamentos mais complexos e modernos.

“Com a abertura comercial entre os governos Collor (1990-1992) e FHC (1995-2003), a maioria perdeu condições de competir com as indústrias indianas, chinesas e agora, também, as coreanas. Por exemplo, até a década de 1990, produzíamos 50% dos antibióticos do mercado, mas hoje praticamente não fabricamos nada. É tudo importado. Perdemos a capacidade produtiva”, aponta o vice-presidente da Abrasco.

Para Mirian Parente Monteiro, professora de farmácia da UFC (Universidade Federal do Ceará), o Brasil é historicamente defasado neste assunto e falta uma tradição de pesquisa e desenvolvimento tecnológico para produzir medicamentos.

“Temos até boas pesquisas de desenvolvimento de remédios com potencial nas universidades públicas, mas que esbarram na questão do financiamento. E, no Brasil, as indústrias farmacêuticas são filiais de grandes conglomerados de empresas lá de fora. Nossa dependência de insumos importados vai persistir por muito tempo. Não vamos avançar em um estalar de dedos”, afirma a professora.

.Oferta x demanda. Com menos insumos disponíveis para a fabricação de medicamentos, a produção diminui, gerando desequilíbrio com a demanda. Há impacto no preço, que também é afetado por outros fatores, como a desvalorização do real frente ao dólar e o aumento dos custos com frete. A guerra na Ucrânia tem contribuído com a pressão inflacionária.

Virou leilão. Quem paga mais, leva. Os Estados Unidos e muitos países da Europa estão pagando mais do que o preço normal dos medicamentos. Marco Antonio Stephano, professor da USP.

“Em Londres, por exemplo, o preço disparou. Há casos de aumento que passam de 400%”, relata Stephano. Embora o Reino Unido tenha um sistema de saúde pública semelhante ao SUS brasileiro, essa variação acontece porque não há o mesmo modelo de controle de preços.

O que mais preocupa são os insumos de medicamentos comuns e que não podem faltar —e que o Brasil não produz. “É uma discussão. O governo alega que importar sai muito mais barato para o consumidor, porém, isso causa uma insuficiência industrial. Não podemos ser tão dependentes do mercado externo assim. Numa situação de emergência, o país precisa ter produção própria, para que não deixe a população desabastecida”, defende a vice-presidente do CRF-SP.

No Brasil, a CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), órgão interministerial do Governo Federal, estabelece um valor máximo para a grande maioria dos medicamentos. Essa regulação evita explosões de preços em caso de escassez de insumos, mas acaba por obrigar a cadeia produtiva a absorver o aumento do custo de produção.

Caminhos para a solução

Fortalecimento da pesquisa científica – O professor Luiz Carlos Dias, titular do Instituto de Química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro da ABC (Academia Brasileira de Ciências), reconhece que a indústria farmacêutica brasileira avançou muito na produção de medicamentos genéricos e similares, atuando com inovação incremental (o aperfeiçoamento de terapias existentes). Mas ainda há muito potencial a ser explorado.

“O Brasil tem cerca de 20% da biodiversidade do mundo, mas não explora isso a seu favor”, destaca.

O país carece de uma política de estado consistente, segundo o professor da Unicamp, para ampliar a pesquisa básica e fortalecer a atuação do país na ciência.

“Precisamos de leis que estimulem a interação entre universidade e empresas, e diminuam a burocracia, que tem sido um gargalo ao processo de produção”, afirma. Somente assim, na visão do especialista, o país poderá atuar de forma expressiva com a chamada inovação radical, que consiste no desenvolvimento de novos medicamentos, e ampliar a soberania nacional no setor farmacêutico.

Produção nacional mesmo sem lucro.

Existem estratégias adotadas por outros países, também afetados pelo desabastecimento global, para ampliar rapidamente a produção nacional e, por consequência, a independência do setor farmacêutico, assim conferindo uma resposta mais rápida à crise do desabastecimento.

Nos Estados Unidos, por exemplo, mesmo sem obter lucro, empresas privadas assumem a responsabilidade em produzir determinados medicamentos estratégicos, como dipirona e antibióticos comuns.

“No Brasil, temos uma rede de laboratórios oficiais, o que não existe nos Estados Unidos. Alguns federais, outros estaduais, esses laboratórios poderiam ser utilizados para evitar a falta de medicamentos estratégicos. Não são medicamentos muito sofisticados, mas a falta deles gera um impacto sanitário enorme”, sugere o vice-presidente da Abrasco.

Fonte: Jaqueline Falcão – Colaboração para Viva Bem

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